Introdução
Neste artigo atestarei que é parte legítima da tradição cristã o uso do véu, demonstrando por práxis que não é um uso atrelado somente a Corinto, conforme diversos revisionistas do uso do véu na ‘Igreja Moderna’ costumam argumentar. Tal legitimação por meio da tradição advém principalmente da era Patrística, posteriormente adentrando na posição que a Reforma tomou.
Também indicarei que além de estar presente na Santa Tradição, tal prática piedosa também está nas Escrituras, sendo proveitoso obedecer ao conselho de São Paulo, conforme sempre fora praticado. Deste modo, gostaria de enfatizar que nem mesmo os mais radicais adeptos da Nuda Scriptura poderão indagar sobre ser algo de fora das Escrituras.
Na Tradição antes da Reforma Protestante
Santo Irineu de Lyon (130–220 d.C), o discípulo de São Policarpo (que é discípulo de São João, o Apóstolo) foi um dos primeiros dentre os Pais da Igreja a comentar sobre o uso do véu feminino fora dos escritos apostólicos. De maneira sucinta e direta, ele escreveu:
São Clemente de Alexandria (150–215 d.C), Apologista da Igreja, canonizado pela Igreja Oriental e decano da Escola de Alexandria diz:
Tertuliano (155–225 d.C) em sua época como apologista da Santa Igreja, escreveu a mais longa e antiga defesa do uso do véu na igreja, em acordo com a Santa Tradição: sua obra intitulada “On the Veiling of the Virgins”, na qual ele nos indica a posição da Igreja quanto ao uso do véu:
São João Crisóstomo (347–407 d.C), um dos Padres mais importantes da Santa Igreja e Arcebispo de Constantinopla, escreveu sobre 1Co 11. Em seu tratado ele explica a posição apostólica:
Santo Agostinho (354–430 d.C), Bispo de Hipona e acertadamente um dos Padres da Igreja que mais influenciou o Ocidente em seus escritos defende o uso do véu:
Na Tradição após a Reforma Protestante
Na Reforma Luterana, se entende que o uso do véu não é uma uma ordenança em vista do bem-estar da Igreja. Não sendo um mero uso momentâneo de Corinto, é algo reafirmado na autoridade dos bispos. Tal prática é brevemente discutida e reafirmada na Confessio Augustana:
Os Presbiterianos de Londres, associados a Assembleia dos de Westminster, dizem:
John Bunyan, um teólogo escritor e pregador batista nos indica a posição da Igreja Batista quanto ao uso do véu:
Nas Escrituras
A interpretação tradicional dessa passagem (conforme se percebe nos escritos de S. Crisóstomo e Sto. Agostinho) evidentemente apela para a criação, mediante as comparações que São Paulo efetua; não para Corinto. Isso, por si só, já indica uma transcendência no que tange aos costumes locais, pois o uso do véu está ligado a ordem na criação.
Primeiro, é necessário enfatizar que Deus fez homens e mulheres iguais em valor; porém, disso não sucede que ambos detenham o mesmo papel, autoridade ou função. E isso se faz verdadeiro principalmente no que tange a Igreja. A submissão da esposa para com seu marido (Ef 5:22) e o homem como cabeça da mulher (1Co 11:3) não denota superioridade, mas ordem. Assim, Deus selecionou determinados símbolos para manifestar essa diferença na ordem em sua criação. Por isso, a cobertura natural da mulher (que são seus cabelos) podem ser consideradas como “sua glória” [v.15].
Quando ela está “orando e profetizando”, ela também deve usar uma cobertura artificial para cobrir essa glória, como um sinal de que está sob autoridade (1Co 11:10), conforme nos é indicado. O homem, portanto, reflete a glória de Deus e sua submissão a Cristo com a cabeça descoberta. A mulher, por outro lado, reflete a glória do homem e sua submissão à autoridade masculina orando com a cabeça coberta.
Entretanto, “nem o homem é sem a mulher, nem a mulher sem o homem, no Senhor”, pois “como a mulher provém do homem, assim também o homem provém da mulher, mas tudo vem de Deus”. Ora, o “refletir a glória do homem” não é nada mais do que refletir a do Divino, por meio da cobertura angelical, que é sinal de modéstia para a Mulher.
1º objeção: “O véu se trata dos cabelos da mulher.”
Resposta:
Se tal fosse o caso, os versos 10 e 15 teriam que enfatizar a mesma questão, a saber, de que ter o cabelo comprido é o mesmo que cobrir a cabeça, o que é impossível. Pois um trata da glória da mulher e o outro da manifestação plena de um outro estado.
No verso 10, uma mulher é obrigada a “ter sobre a cabeça um sinal de autoridade”; e tal sinal representa sua submissão, não sua glória. Assim, é perspicaz indicar que se tratam de relações diferentes; pois mesmo que seja sinal honroso utilizar um véu (i.e, a cobertura angelical), tal não é o sinal de honra que S. Paulo propõe.
2º objeção: “No verso 16, S. Paulo diz: ‘Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal costume, nem as igrejas de Deus’. Acaso ele contradiz toda sua narrativa?”
Resposta:
Ora, o dizer “nós não temos tal costume” está ligado ao que o apóstolo declara antes: “se alguém quiser ser contencioso”. Doutro modo, deve-se explicar como o “não temos tal costume” se relaciona ao assunto que ele acabara de desenvolver. Tal perspectiva, se aceita como válida, nos forçaria a incluir nisso a ordem estabelecida no verso 3: “Cristo é a cabeça do homem”. Somente assim, por consequência, se sucederia que todas as outras ordens seriam inválidas: O “homem a cabeça da mulher, e Deus a cabeça de Cristo”.
Acaso deveríamos deixar de lado o fato de que o Cristo é a cabeça do homem, e o homem a cabeça da mulher? Se quem mantém tal objeção não quiser ser contencioso, admitirá que não.
3º objeção: “As mulheres em Corinto poderiam ser confundidas com prostitutas”
Resposta:
Sabe-se que em Corinto supostamente teriam tido mais de mil prostitutas sagradas ao mesmo tempo no templo de Afrodite em Eryx (Sicília). Antes de analisar o argumento, devo dizer duas coisas:
Em primeiro lugar, nunca houve nenhum tipo de indicativo por meio dos Pais de que a passagem que fosse cultural. Assim sendo, não há nenhum indicativo efetivo de que os cristãos de Corinto entenderam conforme alguns querem forçar. Em segundo lugar, temos que pela exegese nos indicar um apelo a criação divina e não a cultura grega, esse argumento por si só já poderia ser descartado. O apelo paulino é enfático: “Por essa razão e por causa dos anjos…”[v.10], pois seus motivos já estão contidos no texto.
Ora, de maneira muito simples é possível averiguar se tal argumento é historicamente acertado. Façamos a seguinte pergunta: A situação local em Corinto realmente poderia explicar o uso do véu, visto que também era uma prática padrão fora de Corinto o seu uso? Se entendemos que o uso do véu era necessário pela confusão advinda da mulher integra com a réproba, sucede-se que o uso seria incomum fora de Corinto, o que é certamente falso. O uso do véu era amplamente aceito nas Igrejas fora de Corinto, conforme já demonstrei na Tradição anterior a Reforma.
Ainda assim, conforme Tertuliano nos testifica em seu tratado sobre o uso do véu, aproximadamente 150 anos após a Epístola aos Coríntios ser escrita, o uso do véu ainda era prática comum na Igreja de Corinto, num momento no qual a chance das mulheres serem confundidas com prostitutas eram nulas:
Conclusão
Acredito que esse escrito seja suficiente para demonstrar que durante toda a Tradição da Igreja, de maneira ininterrupta, o uso do véu foi amplamente aceito, inclusive pelos protestantes, que são o público alvo desse escrito.
De fato, não foi uma indagação teológica que deu fim à prática do uso do véu feminino nas igrejas, mas a ascensão do feminismo. O desuso do véu começou por meio da emancipação feminista tanto dentro quanto fora das igrejas, que aplaudiram um falso sentimento igualitário. Não é a toa que foi por meio do movimento feminista que se tornou aceitável que as mulheres andassem com a cabeça descoberta, o que acarretou na falência da chapelaria tradicional¹⁰, culminando na então perca da prática do uso do véu.
Por fim, devo dizer que não há exegese no meio protestante que defenda de maneira efetiva o desuso do véu, pois tal entendimento nasceu por meio de ideologias modernas. Indico, portanto, que ir contra o uso do véu é ir contra a própria história da Igreja, dando apoio a uma prática secular que nos fez perder (principalmente na América) a verdadeira ligação para com os papéis bíblicos dos homens e das mulheres.
Referências:
[1] — Irineu de Lyon. “Contra as Heresias”, Volume 1, P.37. Acesso: https://catolicotridentino.files.wordpress.com/2017/11/patristica-vol-4-contra-as-heresias-irineu-de-liao.pdf…
[2] — Clemente de Alexandria. “Paedagogus” (O Instrutor), Livro III. Acesso: http://earlychristianwritings.com/text/clement-instructor-book3.html
[3] — Tertuliano. “On the Veiling of the Virgins”. Capítulo VIII. Tradução minha. Acesso: https://newadvent.org/fathers/0403.htm…
[4] — João Crisóstomo. Apud de “1 Corinthians: Interpreted by Early Christian Medieval Commentators”, P.180. Tradução minha. Acesso: https://books.google.com.br/books?id=msFOYyPMSeQC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
[5] — Agostinho de Hipona. “A Trindade”, P.224. Acesso: https://catolicotridentino.files.wordpress.com/2017/11/patrc3adstica-vol-7-a-trindade-santo-agostinho.pdf…
[6] — De Confessio Augustana, Artigo XXVIII: Do Poder dos Bispos. P.29. Acesso: https://drive.google.com/file/d/1u–GYGrPD2rpuhtcBO0orHvgblaDkXdV/view
[7] — O Direito Divino do Governo da Igreja, Capítulo III. Tradução minha. Acesso: https://gutenberg.org/files/13941/13941-h/13941-h.htm…
[8] — John Bunyan. A Case of Conscience Resolved, P.19. Tradução minha. Acesso: https://pdfs.semanticscholar.org/9e99/d3ab218dbe4615d3ef7d188369ea102edc3e.pdf?_ga=2.45695917.826036391.1607651033-1447490009.1607651033 (Devo dizer que nada tenho a ver com escrever em letras maiúsculas, veio do próprio autor).
[9] — Tertuliano, “On the Veiling of the Virgins”, Capítulo VIII. Tradução minha. Acesso: https://newadvent.org/fathers/0403.htm…
[10] — Carrie Budoff, New York Times. Acesso: https://www.nytimes.com/1997/04/06/nyregion/headgear-as-a-footnote-to-history.html
Salve Maria! Muito obrigada por essa grandiosissima explicação.
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Disponha, Heloísa! Deus lhe abençoe.
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