Síntese de respostas ao ateísmo e suas implicações filosóficas

Aristóteles, Igreja de São Vicente Ferrer

Introdução

O substantivo “Deus” significa, comumente, um Ser de máxima grandeza, todo-poderoso e, sobretudo no cristianismo, criador do universo. A humanidade, em toda sua história, seguindo o anseio e esperança natural do homem para com o transcendente, desenvolveu sociedades com suas bases e valores sustentados na religião, esta que, como relação moral entre o homem e Deus, se funda na existência fática do Ser Supremo.

Contudo, por diversos motivos, existiram pessoas que negaram a existência de tal fundamento último, estes que exerceram uma grande influência e, encontrá-los, (atualmente em especial) não constitui uma raridade.

No presente texto temos como fim, portanto, elucidar esta questão, demonstrando os erros das teses que negam a existência de Deus. O método adotado aqui não é o dogmático, onde as verdades da fé são expostas, mas o propriamente filosófico, ou seja, temos como princípio não outra coisa que a razão natural, o que é suficiente para que se torne evidente o absurdo que permeia o ateísmo.

Sobre a Abstração

Para que se elucide os princípios e métodos utilizados, uma sucinta exposição da abstração é necessária. Esta, em sentido filosófico, consiste em tomar mentalmente como heterogêneo o que, em realidade, é homogêneo; este modo de se prosseguir é fundamental para qualquer ciência, pois, como muito bem expuseram os filósofos, o conhecimento científico deve versar sobre o necessário e não o meramente singular e contingente. Assim a química, não considerando este átomo ou aquele, considera, no entanto, o átomo em geral, com suas propriedades necessárias; tal como a física, não considerando este ou aquele movimento, considera as próprias leis que regulam o movimento em geral. 

Pois bem, entre estas abstrações, foram estabelecidos três graus que representam o afastamento da matéria, considerando desde o material até o imaterial. O primeiro grau de abstração é o das ciências, como a já citada química, onde, apesar de se fundar na matéria, a despoja mentalmente de seu caráter singular; o segundo grau consiste nas matemáticas, este que despoja a matéria de suas qualidades sensíveis e a considera unicamente enquanto quantidade; por fim, chegamos no grau da filosofia primeira, que trata do objeto em seus aspectos mais universais, e é deste tipo de abstração que os conceitos como substância e ente, discutidos pelos filósofos, provêm. 

A capacidade de abstração é constatada por nossa própria vivência, pois podemos considerar um mesmo objeto sob múltiplas acepções: uma mesa, por exemplo, pode ser considerada enquanto tal particularmente: enquanto mesa, enquanto corpo, enquanto substância e, por fim, enquanto ente (aquilo que exerce o ato de ser, ou, em linguagem ordinária, existe). Sendo assim, longe de se fundar em pressupostos atordoantes, o abstracionismo, como é tomado aqui e pelos aristotélicos, é condizente com o mais simples senso comum. 

Exposto isso, objeções como a nossa incapacidade natural de proferir juízos acerca do que transcende nossa experiência sensível, pelo fato de que nosso conhecimento se funda nesta mesma experiência, se tornam inválidas, visto que, ao considerarmos tal realidade transcendente, a consideramos unicamente enquanto relacionada ao mundo sensível, ou seja, realizamos juízos acerca de Deus não em sua vida íntima e pessoal, mas enquanto Ser que justifica esta mesma existência sensitiva que percebemos, de modo que os atributos deduzidos posteriormente são ditos de modo análogo, considerando a necessidade d’Ele possuí-los para que sua relação com o mundo tal como é demonstrável (e demonstraremos mais adiante) seja possível. Com esta sucinta justificação do método e exposição da natureza da questão, podemos iniciar as exposições filosóficas, de modo que sejam estabelecidos em primeiro lugar, como não poderia deixar de ser, os princípios basilares a serem utilizados.

Breves considerações sobre o Nada Absoluto¹

Pode alguém questionar-se sobre a possibilidade de algo simplesmente surgir ante o nada absoluto, não como causado por ele. Esta hipótese é também impossível, pois haveria a possibilidade deste vir-a-ser, visto que, caso se negue tal possibilidade, estaria diretamente afirmando o impossível; portanto, esta possibilidade tem de se fundar em algo, fundar-se no nada absoluto não convém, uma vez que o não-ser não é, e, por consequência, não pode servir como fundação de algo; se fundar-se nele próprio, teria ele de se distinguir, de algum modo, do nada absoluto, o que significa que ele seria antes de ser, o que também não é possível. Como resultado do exposto, qualquer hipótese que apele ao nada como justificação não pode ser verdadeira. 

De início, investigaremos o não-ser absoluto, o nihilum, muito recorrente nas mais diversas teorias. Pois bem, o nada absoluto configura-se como a negação de todo e qualquer ser. Como consequência disso, se houvesse o nada absoluto, nada poderia suceder-se, dado que, se este fosse o caso, o nada absoluto possuiria poder (potência) e, então, ser, o que o faria, na realidade, ser algo e não o nada. Ora, nitidamente há algo, segue-se então que o nada absoluto não há e tampouco houve um dia, o que contestaria o haver atual de algo, portanto, algo sempre houve. 

Sobre a causalidade

Dando prosseguimento, temos agora como objeto de investigação o famigerado princípio da causalidade. Este princípio nos diz, sob múltiplas formulações diversas, que o que se altera (genericamente considerando) têm o princípio desta alteração em algo.

Este famoso princípio costuma sofrer diversas objeções de cunho ateísta e empirista, que buscam contestá-lo dizendo, geralmente, que há um salto ilegítimo em sua conclusão universal. No entanto, demonstrando-a por diversos meios, se evidenciará o quão distante da verdade estas objeções se encontram. 

“Tudo que se move é movido por outro” 

Uma das formulações clássicas deste princípio não é outra que a formulação realizada por Aristóteles, a saber, a de que tudo que se move é movido por outro; sendo assim, a investigaremos inicialmente. 

Para que se evidencie a validade deste princípio, exporemos os termos nele contidos. Assim, o movimento, no léxico aristotélico-tomista, é a transição da potência ao ato.   

Por exemplo, quando a madeira é esquentada pelo fogo, ela possuía determinada possibilidade (capacidade de receber determinada perfeição) que é efetivada ao entrar em contato com o fogo, que possui o calor em ato, ou seja, a madeira transitou da potência de estar quente, da aptidão de receber o calor, para estar quente em ato.

Tomando este mesmo exemplo, a verdade do princípio aqui analisado se revela da seguinte maneira: a madeira, estando em potência para receber determinada realidade (o calor), possui três hipóteses para explicar sua mudança: ela mesma, o nada, ou outro em ato. A primeira hipótese não pode suceder-se, pois significa que ela estaria em potência e ato em relação à mesma coisa (a madeira possuiria em ato o calor, mas ao mesmo tempo estaria em potência em relação a ele), e tal hipótese viola o princípio de não contradição (é impossível que algo seja e não seja ao mesmo tempo e aspecto); a segunda hipótese também é falsa, pois, apelando ao nada, não pode justificar-se, como já demonstrado anteriormente; por conseguinte, a atualização deste potencial por outro já em ato é a única opção possível, provando, assim, a validade desta clássica enunciação do princípio de causalidade.

“Nada vem a ser senão por uma causa em ato”

Esta é a segunda formulação deste princípio que aqui será exposta mais detalhadamente e tida como verdadeira por vias distintas.

Com efeito, mostremos sua validade da seguinte maneira: em toda criatura, há composição metafísica de essência e ser, pois, uma vez que determinada essência não implica necessariamente sua existência real, o ser se caracteriza como algo realmente distinto dela. Como, por exemplo, quando consideramos a essência do homem², ela de nenhum modo implica, necessariamente, a existência real de algum homem, sendo, pois, o fato de existirem realmente algo que segue-se não de sua essência, mas de uma atualidade última em virtude da qual é chamada ente (ens).

Pois bem, a essência dos entes contingentes configura-se como estando em potência em relação ao ser (esse), ou seja, há “indiferença” para ser ou não ser, de maneira que o ser se relacione com ela como o recebido no recipiente e seja a perfeição³ das perfeições, na medida em que toda e qualquer perfeição ou realidade ulterior o pressupõe. Caso a existência de algum ente finito não fosse causada por um princípio extrínseco em ato, significaria que seu ser teve sua razão em si mesmo ou do nada. A primeira opção, como já dito, é algo impossível, porque a essência está em potência para com o ser e, caso a atualização desta potencialidade se desse por si mesma, teria ela de ser anterior a si própria, teria de ser antes de ser, o que é impossível; a segunda opção, com efeito, é claramente absurda, como já foi exposto anteriormente. Resta-nos, portanto, que o que vem a ser tenha como princípio uma causa extrínseca em ato.

Ademais, a segunda via a ser aqui explanada, mantendo similaridade com a anterior, evidencia-se da seguinte maneira: observamos, na realidade, o devir, ou seja, as mudanças que passam as coisas, havendo entre elas corrupções e gerações de novos entes, atestando a existência de entes que não acarretam em contradição com sua não existência (contingentes).

A possibilidade de um ente contingente vir a ser sem uma causa prévia significa que este devir se deu ou pelo nada ou por si mesmo. A primeira hipótese é impossível; significa, então, que ele veio a ser em virtude de si mesmo. Pois bem, se uma entidade pode existir por suas próprias forças, ela, de modo necessário, sempre existiu, uma vez que, se o contrário fosse verdadeiro, iríamos cair no mesmo problema já exposto anteriormente quando tratamos do nada, a saber, seria ele anterior a si mesmo, portanto, é impossível que algo venha a ser senão por uma causa em ato. 

Demonstração da Existência⁴ de Deus 

Alcançamos então, o ponto principal deste texto, que consiste na investigação racional acerca da existência de Deus. Assim como fizemos antes, apresentaremos dois caminhos distintos de se alcançar a mesma verdade.

Prova 1

O primeiro meio que nos revela a existência de Deus se dá pelo seguinte raciocínio:

Tudo o que não possui determinada perfeição por si mesmo, a possui por outro. Os entes contingentes, como já mostrado, não possuem o ser por si mesmos, donde se segue que possuem por outro, sendo assim, este outro ou o possui por essência ou não, se não possui, é necessário que também seja causado e receba o ser como o recipiente ao recebido; ora, esta série, por pressupor o influxo causal atual das causas, não pode regredir ao infinito, posto que não haveria uma fonte que não se comportasse como recipiente em relação ao ser para que a existência das demais causas, enquanto recipientes, fosse possível, ademais, haveria um infinito quantitativo em ato, o que é igualmente impossível⁵.

Logo, é imprescindível que haja uma essência cujo ser se identifique realmente com ela, sendo então de modo necessário e não contingente, pois, com efeito, o ser se relaciona com a sua essência não mais como o recebido no recipiente, mas sim sendo absolutamente idêntico a ela. A identidade entre a essência divina e o ser é o cume do caminho ascendente que parte do mundo sensível até Deus, cume este que nos possibilita deduzir os demais atributos divinos (tendo como consequência mais imediata a infinidade⁶), portanto, está demonstrado que Deus existe. 

Prova 2

Prova-se, também, pelo seguinte caminho:

Existem entes possíveis. A possibilidade tem de se fundar em algo, havendo, então, duas hipóteses: ou é fundada em si mesmo ou em outro. Se a primeira opção é verdadeira, chegamos ao Ser necessário; se não, este outro que funda a possibilidade está sujeito às mesmas condições. Ora, este processo não pode ir ao infinito, pois, em última instância, acarretaria no nada como fundação de toda a possibilidade, o que é impossível. É preciso que haja uma Entidade que possua sua possibilidade fundada em si mesma, sendo, assim, necessária. Apesar da semelhança com os argumentos ontológicos, este argumento não transita ilegitimamente da ordem lógica à real, pois possui como ponto de partida a existência real dos entes possíveis, portanto, qualquer objeção desta espécie é infundada.

Esclarecimento

Podem alguns se questionarem sobre se, apesar da contingência dos entes que compõem o universo, há a possibilidade deste, ao todo, servir como fundamento para a existência, sendo, então, necessário. Contudo, o constitutivo dos entes contingentes não é a existência atual, portanto, pouco importa o número de tais entes, tomando o universo como o conjunto de todos estes, a situação não se altera minimamente, visto que a diferença entre o necessário e contingente não é de ordem quantitativa, mas sim da mais alta diferença ontológica qualitativa⁷, sendo assim, seja infinito ou não, um conjunto contingente não pode, de maneira alguma, possuir uma existência necessária.

Podem também perguntar se há possibilidade da contingência se fundar em um universo primitivo, anterior ao atual, ao que respondemos que esta tese apenas desloca o problema, ao passo que se assumir uma essência que seja necessária, ou seja, que implique contradição em não existir, já aceitará, por conseguinte, a existência de Deus.

Sobre o Materialismo 

Estabelecido que Deus existe, a falsidade das teses contraditórias à esta existência, que serão explicitadas a seguir, se revelam falsas de imediato. Dessa forma, o materialismo, em suma, é uma visão filosófica que defende como princípio do cosmos não outra coisa que a própria matéria, reduzindo, em última instância, todos os fenômenos à esta; sendo, então, ateísta. Na modernidade, esta filosofia é largamente difundida como sendo a posição dos homens que se unem à razão, fato este que não poderia, como veremos, estar mais distante da verdade. As próximas sessões serão destinadas a atacar implicações materialistas em zonas mais particulares, por assim dizer, da filosofia, visto que, em seu aspecto mais geral, já se encontra aqui previamente refutada pelo que foi exposto anteriormente.

Contra o Fisicalismo⁸

O materialismo tem como implicação imediata o fisicalismo, este que é uma posição em Filosofia da Mente que defende a redução da mente aos movimentos do próprio cérebro material, vendo, desta maneira, o homem como apenas um ente sem princípios imateriais, como uma alma (como entendida pelos cristãos), por exemplo. Este erro terá sua resolução, como não poderia deixar de ser, no âmbito da filosofia aristotélico-tomista.

Antes de tudo, é necessário darmos início a uma investigação sobre a potência intelectiva humana e seu ato próprio, o inteligir. O conhecimento humano inicia-se nos sentidos, sendo os dados fornecidos por eles a “matéria”, por meio das impressões sensíveis, de nosso entendimento. Nosso conhecer não se limita à passividade frente ao objeto conhecido (o que nos levaria a um sensualismo), visto que, ultrapassando as condições contingentes e individuais dos entes materiais por via da abstração (essa que já foi aqui examinada outrora), nos permite conhecer estas entidades sob um aspecto de universalidade e necessidade, ora, sendo tal potência o que parece erradicar de uma natureza propriamente humana, é conveniente que investiguemos o conteúdo desta mesma operação.

Pois bem, como um efeito real pressupõe uma causa igualmente real, chamemos a causa de tal efeito (o conhecimento sob tal aspecto de universalidade e necessidade) de intelecto agente, este é o responsável por extrair das representações sensíveis o conteúdo inteligível. Havendo esta atividade intelectual, há de se determinar sua relação com o conhecimento não intelectual, uma vez que tal relação é erroneamente considerada por fisicalistas, que a veem o conhecimento intelectual como superior em ordem quantitativa apenas.

O intelecto, como detentor do conhecimento universal, conquanto ao homem só o seja mediante a sensibilidade, não pode ser de natureza material, visto que, se fosse este o caso, não poderia ser receptor de verdades incorruptíveis e imateriais, posto que, como o órgão é corruptível e material, não pode captar os esquema eidéticos que ultrapassam esta mesma condição material.⁹

Como exemplo da ascensão do singular contingente ao universal e necessário realizada pelo intelecto, tomemos como ponto de partida este mesmo dispositivo que está utilizando. Ele apresenta, como representação sensível, determinada cor, qualidade e extensão, estas de maneira singular e material, todavia, abdicando destas condições contingentes, o intelecto realiza juízos sobre a própria cor, qualidade ou extensão, não mais enquanto este ou aquele, mas enquanto universal necessário. (Além disso, se fossem estes conceitos materiais, seriam singulares, assim como a matéria). Ora, um órgão material não pode realizar funções que ultrapassam seu ser, dado que o operar segue-se àquele¹⁰. Sendo assim, é impossível que a mente se identifique ou reduza a qualquer órgão material. 

Além disso, o intelecto contém as formas dos objetos externos, e tal recepção não pode ser por via materialista, dado que um ente material, ao receber uma forma diversa, se corrompe imediatamente, visto que perde sua forma (do contrário, possuiria duas formas que moldam a matéria ao mesmo tempo). Desta maneira, é necessário que o intelecto seja imaterial, pois, caso contrário, se corromperia ao receber¹¹ formas dos objetos externos.

Podem alguns dizerem que, se cérebro apresenta reações físicas juntamente ao intelecto, é impossível que aquele se diferencie deste, no entanto — longe de raciocínios mais extensos serem necessários —, basta que apontemos para o claro salto lógico presente nela, a saber, a de que esta relação implica, de maneira necessária, uma identidade. Ademais, existe uma rigorosa relação entre as potências de ordem sensitiva e as de ordem intelectual, como, dentre outras, a imaginação, que se configura como uma potência de ordem sensitiva que realiza representações e associações dos fatos sensíveis sem a presença destes, fornecendo material para a atividade intelectual.

Ademais, a união aqui adotada entre a mente e corpo é essencial, ou seja, o homem, enquanto tratado em si mesmo, é o composto¹² de matéria e forma, e não unicamente sua alma ou intelecto; visto isso, objeções baseadas em constatações de deficiência intelectual que ocorreu após uma lesão física passam longe de colocar em risco qualquer tese aqui demonstrada.

Contra o atomismo¹³

Quando se trata da constituição dos entes sensíveis, o materialismo tem como consequência o atomismo, outra doutrina falsa, tal como veremos. Pois bem, segundo o este ensino, o princípio dos corpos consiste em elementos indivisíveis que os compõem, com a diferença entre os corpos sendo explicada pela ordem e posição diversa destes elementos, sendo eles o fundamento primitivo do próprio cosmos. Este sistema teve sua origem na Grécia, possuindo como representantes Leucipo e Demócrito.

Posteriormente, houveram diversos sistemas essencialmente atomistas com modificações em certos aspectos, sendo um pensamento popular até mesmo nos dias de hoje, com uma espécie de atomismo cientificista, que não assume como princípio da realidade outra coisa senão a diversidade de elementos químicos e afins. Esta espécie, mesmo podendo não assumir elementos absolutamente indivisíveis, ainda coloca a diversidade destes como princípio e fundamento do cosmos.

Segue-se da doutrina exposta a negação de princípios constituintes dos corpos tal como é entendido pelos aristotélicos/tomistas, ou seja, a matéria e forma como princípios fundamentais das substâncias compostas, onde a forma atua como princípio ativo determinante e a matéria como passivo determinável, com a relação destes ocorrendo como ato e potência. Sendo assim, convém aqui uma análise da consistência desta teoria, para que se evidencie os problemas que carrega consigo.

Sobre o atomismo enquanto princípio de composição dos corpos

O atomismo não cumpre suficientemente seu papel em explicar a diversidade dos corpos, uma vez que, sendo a diversidade dos corpos resultante apenas da organização distinta de seus elementos, não é explicada a razão suficiente de tal organização distinta, pois dizem os atomistas que os corpos são compostos de tal e tal maneira, entretanto, ao dizerem isso, não respondem a questão fundamental e principal, a saber: o motivo pelo qual há tais organizações diversas que compõem o mundo material. Caso a atribua à diversidade dos próprios elementos, o problema é apenas deslocado, sendo agora as diferenças entre eles o que carece de razão suficiente.

Poderia algum objetor tentar atribuir a razão ao acaso absoluto, o que é evidentemente problemático, em virtude de que ou o acaso é um ser ou não seria nada, a segunda opção se mostra impossível, pois coisa alguma provém do nada, sendo assim, tal acaso deveria, primeiramente, “ser”, e maneira que se caracterize como um agente. Contudo, todo agente opera visando um fim,  porque dizer o contrário equivale a dizer que todos os efeitos seriam indiferentes à causa e, como consequência, negar a própria capacidade de operação da causa, porque qualquer efeito que lhe conviesse violaria a condição de indiferença; ora, este fato anula a possibilidade da razão suficiente de diversidade ser oriunda de um acaso absoluto.

Os átomos, ademais, possuiriam a aptidão para se combinarem e formarem as variadas realidades, sendo assim, seriam um composto de ato e potência, necessitando, então, de uma causa extrínseca que os movesse e permitisse as combinações, como consequência, tal causa seria anterior aos átomos, removendo o posto desses como princípio da physis.

Uma união meramente acidental, como segue-se da doutrina atomista, não é suficiente para que se explique as propriedades do sujeito substancial¹⁴, em razão de que, posto que estas não se encontram em nenhuma das partes, é necessária uma sólida proporcionalidade intrínseca que origine essencialmente o ente segundo um logos determinado, um certo número (arithmós),¹⁵ fazendo uso do léxico pitagórico.

Outrossim, os atomistas confundem  o princípio e principado, uma vez que admitem como princípio do corpo não outra coisa que um corpo. Tais críticas cabem também aos atomistas cientificistas, na medida em que assumem a vertente atomista justamente para negar um princípio substancial distinto da matéria.

Contra o Nominalismo

O nominalismo, por fim, consiste em uma posição na problemática dos universais¹⁶ que, de modo geral, nega que estes conceitos possuem uma correspondência na realidade, seja como estrutura eidética¹⁷ individualizada ou subsistente per se, os reduzindo assim a uma completa arbitrariedade ou a nada mais que um nome que representa a conjunção de ordem sensível dos entes. Assim como as teses anteriormente combatidas, é uma consequência materialista.

Antes de começarmos, é bom ressaltar que vertentes desta posição que resultam na negação de uma essência intrínseca distinta da matéria possuem sua ruína em conjunto com a doutrina atomista, já antes analisada, portanto, perceber isso poupa-nos o trabalho de repetir o que foi dito. Posto isto, começaremos então a análise do nominalismo especificamente.

Tomando como exemplo o conceito de homem, poderia ele ser apenas um conceito definido arbitrariamente? Ora, caso fosse uma imagem singular, não poderia ser dito de muitos, o que é claramente falso; na hipótese de ser apenas um conjunto de indivíduos semelhantes, há problemas graves, dado que este conjunto forma um todo flutuante e indeterminado¹⁸, precisamente por suas inúmeras indeterminações enquanto composto de entes distintos entre si, não representando, portanto, o logos que, primeiramente, o determina, ao passo que repugna ao universal tais consequências, sobretudo considerando sua necessária intenção a algo determinado.

Sendo assim, os universais devem ter seu fundamento in re, pois, além disso, o que é predicado de forma unívoca de muitos não se caracteriza como um simples nome, tendo em vista que existe, individualmente, algo que o torna apto para tal predicação unívoca, um conteúdo ontológico. O conceito universal, portanto, aponta intencionalmente o que há na realidade.

Como os universais não podem se reduzir à nomes, surge a questão de como, na realidade, podem existir universais, dada a condição singular dos entes. A resposta para isso se dá, precisamente, quando nos atentamos às nuances do chamado realismo moderado¹⁹, pois, apesar da realidade expressa pelos universais existirem nas coisas, a intenção de universalidade é realizada pelo intelecto, na medida em que, na realidade, existem segundo um logos individual resultante da união com a matéria. Em suma, o universal, enquanto tal, não está formalmente na coisa singular, todavia, possui fundamento nela²⁰.

Considerações finais

Condensamos neste texto demonstrações filosóficas que provam apodíticamente a existência de Deus. Estas que, mesmo não se fundando em testes ou em um método científico experimental, merecem mais propriamente o caráter de científicas que qualquer ciência empírica, pois, na medida em que o conhecimento científico é aquele rigorosamente demonstrado (em oposição à opinião, que procede do provável), o conhecimento filosófico demonstra não com a necessidade hipotética, mas com a absoluta, ou seja, enquanto as ciências provindas da abstração de primeiro grau podem nos entregar uma determinada certeza dado o cumprimento de determinados fatores, a filosofia nos entrega uma certeza absolutamente necessária, esta que resulta em completo absurdo ao negá-la, visto que contraria não outra coisa que o próprio ser em sua razão intrínseca, enquanto a negação daquelas resultam na negação não do próprio ser, mas de uma determinada proporcionalidade atualizada no ser.

A aspiração natural do homem à felicidade transcendente, hoje falsamente tida como uma infantilidade a ser abandonada, se mostra, por conseguinte, absolutamente bem fundada no âmbito racional do homem. Dessa forma, deve ser rejeitada toda e qualquer posição filosófica ateísta, não apenas sob a autoridade absoluta da Revelação, mas também sob a própria autoridade da Razão, esta que, apesar do parecer de alguns, é aliada da fé, uma vez que duas verdades nunca são contraditórias.

Notas

  1. Ver “Filosofia Concreta”, de Mário Ferreira dos Santos.
  2. Ver “De Ente et Essentia” de S. Tomás de Aquino.
  3. Temos por perfeição qualquer entidade (entitas) positiva, seja constituinte de um modo atual ou possível de ser.
  4. Existência (palavra formada pelo prefixo ex em conjunto com o termo sistentia) significa o que se dá fora de suas causas, portanto, ao ser utilizada referindo-se à Deus, o é impropriamente, visto que Deus é incausado. Optamos por utilizá-la para aproximar nossos termos ao entendimento comum.
  5. O infinito quantitativo não se dá senão potencialmente, uma vez que sempre há a possibilidade de adicionar mais um elemento ao todo.
  6. Ver: https://bit.ly/340faNa.
  7. É adotada aqui apenas a distinção genérica de qualitativo e quantitativo.
  8. Ver Questões 84 e 85 da “Suma Teológica”, de S. Tomás de Aquino.
  9. Tal como diziam os escolásticos, “O recebido está no recipiente ao modo do recipiente”.
  10. O operar corresponde, proporcionalmente, à natureza do agente, pois, caso contrário, viria do nada ou de um ser superior.
  11. O intelecto possui as formas imaterial e intencionalmente, dado que as recebe e assimila segundo sua proporção. operar corresponde, proporcionalmente, à natureza do agente, pois, caso contrário, viria do nada ou de um ser superior.
  12. Ver “De Anima”, de Aristóteles.
  13. Não negamos a validade do atomismo no campo físico-químico, mas sim no propriamente filosófico.
  14. Ver “Sobre a Corrupção e Geração”, de Aristóteles.
  15. Na doutrina pitagórica, “arithmós” representa o esquema concreto das coisas finitas.
  16. Um universal é, em suma, uma determinada natureza com aptidão para existir em muitos e ser predicada destes.
  17. Ou seja, formal (Eidos: forma) Um universal é, em suma, uma determinada natureza com aptidão para existir em muitos e ser predicada destes.
  18. O que seria, na verdade, mais condizente com o fantasma, que é a representação de ordem sensível, produzida pela imaginação, da coisa.
  19. O realismo moderado consiste em uma posição intermediária entre o nominalismo, doutrina aqui analisada, e o realismo exagerado, que afirma que o universal existe formalmente extra mentis
  20. Ver “La Síntesis Tomista”, de Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O.P.
Artigo escrito por Daniel Estevão

Deixe um comentário