Por que não sou católico ou ortodoxo

Ícone de São Pedro e São Paulo, da Igreja Ortodoxa Russa

Introdução

Talvez o título do artigo (e a própria premissa dele) pareça polêmico, mas o tom que quero adotar aqui definitivamente não é, mesmo que certos assuntos espinhosos possam parecer como tal. A motivação para o escrever é razoável: Diversas pessoas já me perguntaram coisas como “quando você irá se tornar ortodoxo?”, ou simplesmente dizem que eu deveria “me tornar católico (romano) de uma vez” quando se deparam com certas coisas que defendo (o que normalmente os faz me considerar de linha uma linha tradicional até demais no “imenso” mundo que é o protestantismo). Confesso que haja preferência de minha parte de explicar meus motivos no privado para os indivíduos em questão, mas por qual motivo insistiria em fazer algo do tipo se minha confissão de fé não é apenas privada, mas também pública? É contra producente aparentar segredo sobre o que confesso, tendo que me explicar repetidamente aos que com sinceridade me indagam. O que escrevo aqui não é uma apologia para que precise ser respondida por um apologista católico ou ortodoxo, mas uma explicação do que creio e alguns dos motivos de ter decidido começar meu processo de iniciação não na Ortodoxia ou no Catolicismo, mas na Igreja Luterana, em especial na que faz parte do Concílio Luterano Internacional e encontra sua expressão na IELB. Longe de querer iniciar uma discussão ou um debate com meus irmãos católicos e ortodoxos, reitero que meu intuito é o de explicar brevemente alguns dos principais motivos que me fazem adotar e crer na expressão evangélica da Igreja Católica, conforme fora apresentada na Confissão de Augsburgo ao Imperador Carlos V, no dia 25 de junho de 1530 e posteriormente integrada aos símbolos de fé do Livro de Concórdia em 1580, no aniversário da apresentação da Augustana.

O que é o Sola Scriptura?

Eu confesso que a Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias para a salvação, de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não pode ser exigido como artigo de Fé ou julgado como requerido ou necessário para a salvação, desde que lida no contexto da Tradição Apostólica, como ensina Martin Chemnitz. Por isso também afirmo a necessidade da leitura conciliar das Escrituras conforme professada nos Concílios Ecumênicos da Igreja Indivisa, que é dita pela Escritura ser a coluna e baluarte da verdade (1 Tm 3:15). Conforme explica Chemnitz, o testemunho da antiguidade importa:

Também usamos com gratidão e reverência o trabalho dos Pais que, com seus comentários, esclareceram de forma proveitosa muitas passagens da Escritura. E confessamos que somos grandemente confirmados pelos testemunhos da Igreja Primitiva na verdadeira e sólida compreensão da Escritura. Também não aprovamos se alguém inventa para si mesmo um significado que conflita com toda a antiguidade, e para o qual claramente não existem testemunhos da igreja.

Chemnitz, Examination 1:208-209

Isso é o que chamamos de Sola Scriptura, tendo um bom apreço pela Tradição (se a distinguirmos da Escritura), embora se negue que ela contenha certos elementos e doutrinas necessárias para a salvação que não se encontram na Escritura, seja de modo implícito ou explícito. Assim, os escritos dos Pais da Igreja são como um manual de como se deve ler a Escritura; ele é feito para a Escritura, mas a Escritura não foi feita para ele. Como diz Brandon LeTourneau, “A potencialidade de tudo o que o manual [Escritos dos Pais] descreve já está dentro do mecanismo [Escritura]. É totalmente suficiente sem o manual, o manual apenas traz isso à tona.” Desse modo, concordo que seja totalmente plausível e correto dizer que certos embates com hereges atuais (como o trinitarianismo social e o subordinacionismo eterno do Filho) são naturalmente derrotados com o Testemunho dos Pais e dos Concílios. Na mesma linha, Chemnitz expressa de maneira ímpar o desdém pela novidade exegética e teológica, revelando que seu apelo ao consenso dos pais não é uma mera fachada, mas uma genuína convicção de que a Reforma Luterana está em harmonia com a Igreja Primitiva:

Confessamos também que discordamos daqueles que inventam opiniões que não tem testemunho de nenhum período na igreja, como Servetus, Campanus, os Anabatistas, e outros fizeram em nosso tempo. Também sustentamos que nenhum dogma que seja novo nas igrejas e em conflito com toda a antiguidade deve ser aceito. O que poderia ser dito de forma mais honrosa a respeito do consenso e dos testemunhos da antiguidade?

Ibid, 258

De fato, ao discutir de maneira extensiva com os Reformados sobre a Cristologia e a Presença Real de Cristo na Eucaristia, Chemnitz irá repetir a mesmíssima coisa em seu De Duabis Naturis in Christo:

Para que não pareçamos estar concebendo novos dogmas ou atribuindo um significado estranho a passagens da Escritura e nem para que em nossa falta de cautela nesta árdua discussão sejamos desviados do real caminho da verdade, seguiremos o método mais simples e mais seguro. Apresentaremos diante de nós todas as passagens expressas e claras da Escritura, e então levaremos em nosso conselho os escritores mais antigos e aprovados da Igreja Primitiva, para que, sob a orientação de seu julgamento, possamos ser instruídos e confirmados sobre como eles ensinaram e explicaram a interpretação verdadeira e correta deste aspecto da doutrina à Igreja Antiga, com base na Palavra de Deus. Eles separaram a correta compreensão desta parte da doutrina de certos erros de fanáticos e opiniões falsas. Portanto, iremos nos inserir nas obras dos antigos e explicar esta doutrina usando as palavras da Escritura e dos Padres. Pois como eles foram abençoados com os maiores dons e estavam absorvidos nas mais sérias controvérsias, sem dúvida tinham considerado muito cuidadosamente os testemunhos das Escrituras e falaram corretamente a respeito destes mistérios, pois seus ouvidos, por assim dizer, ainda ressoavam com os testemunhos da antiguidade apostólica.

Two Natures in Christ. Capítulo XIX, P. 376.

Como ensina Quenstedt, que sumariza o princípio da Ortodoxia Luterana, não negamos que o que a primitiva igreja dos primeiros séculos com a devida unanimidade aceitou pelos concílios ecumênicos e os testemunhos unânimes dos antigos mártires e pais, assim como o que ela desaprovou ou rejeitou de acordo com a Escritura, também nos cabe rejeitar. Mas não decorre dessa proposição que isso deva, nesse sentido, ser chamado de um princípio da fé: pois o que não é suficiente em si mesmo, sendo um consenso de seres humanos falíveis, não pode ser chamado de forma apropriada de um princípio, do contrário confessaríamos um partim-partim. Há aqui em concordância tanto o princípio do Sola Scriptura como a autoridade final da Igreja quanto o da Igreja como defensora da fé, algo que é explícito no latim do Epítome da Fórmula de Concórdia: “unanimem Catholicae Christianae fidei Consensum et Confessionem Orthodoxorum”.

Sobre o Catolicismo

Ressaltado o ponto sobre a Sola Scriptura e sua reta compreensão, é fácil falar sobre como minha discordância com a Igreja Romana acaba por ser muito mais profunda do que com a Ortodoxia. Como diz C.S Lewis, é difícil estar em comunhão com os católicos não apenas pela ausência de qualquer verdadeira “Doutrina”, no pleno sentido da palavra, mas na própria fundação do que consideramos ser doutrina. Isso significa que o motivo de nosso desacordo não é meramente com esta ou aquela doutrina romana (apesar de ter aqui a possibilidade de apontar algumas, como farei), mas por significar que aceitar a Igreja de Roma não é apenas aceitar um determinado corpo de doutrina, mas aceitar antecipadamente qualquer doutrina que Roma irá produzir no futuro. É como ser solicitado a concordar não apenas com o que um homem disse, mas com o que ele vai dizer (uma mentalidade que provocou tanto o Grande Cisma de 1054 quanto o dos veterocatólicos com o CVI). São Bernardo, Boaventura, Anselmo de Cantuária e alguns papas terem discordado outrora da Imaculada Concepção não foi um impedimento para que se tornasse um dogma posteriormente, da mesma forma que uma baixa consideração do testemunho dos Pais também não o foi. Para o protestante, o que é terrível em Roma é a imprudência com a qual ela acrescenta doutrinas ao Depositum Fidei, a chamada proliferação de credenda” (doutrinas). Parafraseando Lewis, “[Os católicos veem] no Protestantismo a Fé morrendo no deserto: vemos em Roma a Fé sufocada em uma selva.” Por conta dessa proliferação, vemos muitas vezes que o tom da Igreja de Roma tende a mudar (seja para melhor ou pior) com seus irmãos separados, como se comprova com uma leitura da Unam Sanctam e da Unitatis Redintegratio (que muitas vezes há tentativas sinceras de conciliação entre ambas as partes pelos ditos católicos continuístas, mas que com sinceridade digo que não me são convincentes). No final das contas, dá a impressão de que são mesmo contraditórias e que por isso um bom diálogo entre as duas partes sempre irá depender de um tom arbitrário que torna tudo muito ambíguo, por conta da Supremacia Papal. Se o Concílio Vaticano II abre um espaço considerável para que resolvamos nossas diferenças, a postura da Igreja Medieval que tanto se tenta “ignorar” parece atrapalhar tudo.

De outras diferenças com o catolicismo que posso citar, o dogma da Transubstanciação parece-me desnecessário e em menor consonância com o testemunho encontrado na patrística (que parece testemunhar em diversos lugares que o pão de fato continua a ser pão, mesmo que eucarístico). Aqui é um dos lugares (como dizia Lutero) onde podia haver discordâncias saudáveis, mas no presente momento isso já é quase impossível (tanto pela ratificação em Trento quanto pela que ocorre na Declaração Sólida). O celibato clerical, que é tido como uma disciplina canônica, me parece algo profundo demais para ser apenas isso, chegando a ser um abuso por aparentar escolher e decidir por meio de uma autoridade humana o que concerne apenas ao Divino, que é a devida concessão e distribuição dos dons do celibato e do matrimônio (como ensina a Confissão de Augsburgo). Acaso não há vocação devida para os padres que aspiram o ministério e desejam se casar? O que dizer do Ordinariato Anglicano, das Igrejas Orientais sui iuris e de alguns pastores que são recebidos na Igreja de Roma casados? É arbitrário que se considere algo tão importante como uma “vocação” que simplesmente não existe em boa parte da Igreja Católica (Universal), sendo algo que faz parte da expressão particular de Roma. Nesse sentido a posição Oriental me parece muito mais saudável, ressaltando o 13º cânone do Concílio de Trullo (692):

Uma vez que sabemos que, como regra da Igreja Romana, aqueles que são considerados dignos de serem promovidos ao diaconato ou ao presbitério devem prometer não mais coabitar com suas esposas, nós, preservando a antiga regra e a perfeição e ordem apostólica, desejamos que os casamentos legítimos dos homens que estão em ordens sagradas sejam, a partir deste momento, firmes, de modo algum dissolvendo sua união com suas esposas nem privando-os de suas relações mútuas em um momento conveniente. Portanto, se alguém tiver sido considerado digno de ser ordenado subdiácono, ou diácono, ou presbítero, de modo algum está proibido de ser admitido em tal posto, mesmo que ele tenha uma esposa

Concílio de Trullo, 13º cânone

Outra coisa que é significativa, apesar de não ser tão conhecido por ser algo pouco difundido, é que a estética católica em certos momentos me parece grosseira, como na não tão famosa nudez da Capela Sistina, ou do Crucifixo de Michelangelo (1493) que me parecem muita coisa, exceto algo divino. Na verdade, o segundo certamente chega a ser desrespeitoso. Nesse lado me posiciono em maior consonância com os irmãos ortodoxos, que evitam exageros artísticos em seus ícones e os tornam mais propícios de serem chamados “janelas dos céus”, tendo uma perspectiva mais celestial e menos exagerada da estética eclesiástica, enquanto eu me considero mais moderado em os identificar como “meios de graça”, como diz David P. Scaer (luterano).

O último e não menos importante, é o de que a piedade católica “pós-cisma” com o Oriente tomou em muitos aspectos um sabor legalista demais, o que acaba por me chocar e considerar que a Reforma foi mesmo necessária, em especial na declaração de que somente a fé justifica o homem. Considerar-se vazio de verdadeira glória humana sendo feito justo somente através da fé em Cristo, não restando nada para nos gloriarmos da forma que São Basílio Magno diz, me parece ser a verdadeira glória e esperança na qual sempre deveríamos nos localizar. Tendo isso em mente, o que dizer de Josafat Kuntsevych, que se chicoteava com o intuito de se auto-flagelar? E quanto a Catarina de Siena e Teresa D’Avilla, ambas que usavam gravetos para vomitar e praticar a dita “anorexia mirabilis” (mesmo que contra a intenção de seus supervisores)? Maria Alacoque se flagelando com mutilação e comendo fezes humanas, chegando ao ponto de atear fogo em si mesma? O que eu deveria considerar quando a santidade dessas pessoas não é colocada em prova, mas ressaltada? Me parece com sinceridade difícil engolir que tais coisas sejam moções da graça divina, a mesma que Jesus Cristo nos ensinou compaixão e amor ao próximo como a nós mesmos (São Mateus 22:39), o que certamente não envolve demonstrações tão… exóticas. A piedade luterana, que é centrada pela Sola Fide, filtra esse tipo de coisa e termina sendo mais sadia da minha perspectiva se comparada com a romana.

Sobre a Ortodoxia

Quanto aos irmãos ortodoxos, entendo que confessar uma fé seja adotar o totus dela, por isso, é praticamente impossível tornar-se ortodoxo sem professar certas doutrinas que me passam um sabor “piedoso” demais quando analisadas pela doutrina professada pelos Pais ao longo dos séculos, aquela que São Judas nos exorta a manter como a fé “confiada de uma vez por todas aos santos”. Por exemplo, na Igreja Ortodoxa a Dormição não é uma “tradição piedosa” se com isso se pretende dizer algo que os leigos creem, mas que há espaço para discordâncias (como o era na época de São Epifânio). Apesar de Pomazansky em sua Dogmática Ortodoxa chegar perto de dizer que há espaço, a realidade Ortodoxa é diferente por conta de seu aspecto de vivência. Não é como se alguém fosse livre para dizer “Sei que temos ícones que a retratam, hinos que a proclamam, igrejas construídas em seu nome e jejuns em preparo para a Festa em questão, mas em particular não irei concordar que tenha ocorrido”. Tal noção é estranha para a mente ortodoxa. De fato, seria um tipo de heresia, pois faz parte da vida da Igreja conforme exposta em seus hinários, iconografia, textos litúrgicos, sermões de certos Pais (como São João Damasceno) e muito mais. Estes são caminhos pelos quais as Igrejas Orientais perpetuam seus ensinamentos. Em outras palavras, a Dormição faz parte da Tradição [ortodoxa]. Até onde sei, podemos dizer que ela não faz parte do kerygma, isto é, não é um dogma conciliar, mas é parte do Pleroma, como dizem os ortodoxos, da Igreja. Algo diferente ocorre com a Igreja Romana e a declaração Munificentissimus Deus de 1950, que torna a Assunção da Virgem Maria um dogma a ser confessado sob pena de anátema, enquanto a Igreja Ortodoxa o faz por meio da vida litúrgica, destacando a perspectiva da Igreja Primitiva de que é desnecessário tornar algo um dogma conciliar onde nem sequer houve controvérsia. Respeito que haja a devida beleza e preocupação da parte de ambos os lados sobre uma doutrina tão bela, mas de que modo é plausível considerar um irmão sob anátema por não crer em algo que não se espalhou na Cristandade por, ao menos, 600 anos? Apesar de discordar da doutrina, eu não tenho problemas diretos com quem a professa, mas não vejo ela como algo necessário para a salvação (ou para a vida na igreja) e, por isso, discordo de ambos. Daí uma das necessidades do Sola Scriptura.

Parece-me estranha a ênfase no caráter do pecado como uma enfermidade no sentido de excluir seu caráter jurídico, como se o Decálogo não existisse; mesmo que a noção do pecado como uma enfermidade seja tão bíblica quanto a jurídica, excetuando certos exageros que tem o costume de aparecer muito mais no lado protestante (como a punição pecuniária da substituição penal e a expiação limitada) do que no ortodoxo ou até mesmo católico. Aliado a isso, a concepção de que o pecado original não envolve em nenhum sentido culpa herdada (algo estranho aos santos ocidentais como Santo Ambrósio, Agostinho e alguns gregos, como São Cirilo) me é estranho. A própria soteriologia ocidental desenvolvida na raiz das doutrinas agostinianas da graça, pelas quais tanto nutro respeito, muitos ortodoxos (como Pomazansky) consideram “exageros”, o que me impede de ter uma maior aproximação com a Ortodoxia. Santo Agostinho me é mais importante do que costuma ser para muitos ortodoxos tão influenciados por Romanides, mesmo que outros neguem que o seja.

A ênfase na distinção essência-energia (algo que fez os escolásticos acusarem Palamas de politeísmo em peso) que rompe com a Absoluta Simplicidade Divina me vem aos ouvidos como algo difícil de lidar; pois as propriedades de misericórdia, poder, etc., da forma como estão em nós são acidentes e, portanto, verdadeiramente distintas, mas como estão em Deus, são sua natureza e essência; e assim não se distinguem um do outro, nem daquele em quem se diz que estão, como explica o Revmo. William Beveridge (anglicano) em sua exposição dos 39 Artigos, ensino esse que é ressaltado logo no primeiro Artigo da Confissão de Augsburgo. Parafraseando Santo Tomás de Aquino, tudo o que não é a essência divina necessariamente é criatura (ST II. Q. 28. Art. 2. S.C). Assim, distinguir essência-energia parece-me postular acidentes em Deus, algo que estraga a tão bela concepção da natureza divina que tanto diferencia o Deus Cristão dos deuses pagãos.

Outro problema considerável seria a concepção de que só há de fato sacramentos na Igreja Ortodoxa. Como diz o Papa Bento XVI, creio que a ênfase na recepção espiritual de Cristo não pode ser restrita ao problema da “validade” sempre, apesar de concordar que nas igrejas em que não há um ministério sacerdotal instituído à parte do sacerdócio universal e enviado desde os apóstolos de facto seja um empecilho para que se considere a Eucaristia de certas igrejas como válida. Não há grande discordância sobre a questão da filioque (pois eu pessoalmente prefiro a solução “mais ecumênica” do per fillium, que está em maior consonância com os escritos dos gregos do que dos ocidentais), exceto que os ortodoxos parecem fechar os olhos quando os Pais da Igreja afirmam o filioque em peso, em especial Santos Ambrósio, Hilário, Agostinho, Papa Leão I e Gregório de Nissa. As leituras “orientalizadas” desses Pais não me convencem, e crer que tantos homens importantes fugiram do Pleroma da Igreja também não é um bom argumento, já que é como admitir que não há consensus patrum definitivo quanto a procissão do Espírito Santo.

Por outro lado, há concordância significativa em outras coisas, mesmo que ainda haja certa divisão no meio delas. A Theosis como o processo da vida do homem em cooperação com a natureza [no caso deles, energia incriada] divina, que é belíssima e nada estranha aos ouvidos luteranos, sendo extremamente citada no corpus dos reformadores alemães (apesar de o fazer sem a ênfase ortodoxa na distinção essência-energia) é uma dentre outras: Se um cristão se contenta apenas em “ter sido salvo” e nunca se esforça mais e mais para se aproximar de Deus, então ele está realmente rejeitando a sua própria justificação. Se a santificação está ausente na vida de alguém, então não há justificação, pois Cristo disse que nós os conheceremos pelos seus frutos (Mateus 7:16). A beleza da Unio Mystica (ou Theosis) é que ela capacita o cristão a viver a vida semelhante à Cristo, seguindo Seu mandamento (“Sede perfeitos”) no sentido mais pleno da Palavra por meio da graça que nos é proporcionada nos sacramentos e exercitada pelas boas obras, para que o Cristão possa ter um fim bendito, participando da união da glória e experimentando a visão beatífica, conservando a justificação através da fé como base da vida cristã, que nos garante que estamos em paz com Deus por meio do Cristo (Romanos 5:1-11). Nas palavras de um Ortodoxo Luterano:

A finis (finalidade) da união mística é, em última análise, a vida eterna. Os fins e efeitos intermediários são vários: a comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito, a certeza da fé, da ajuda divina, do conforto efetivo, das petições efetuadas e da escuta favorável destas (petições), a preservação em um estado de graça do qual é a persistência absoluta da fidelidade, a santificação, o selo da glória futura da ressurreição e da herança celestial, a união dos renascidos entre si e a comunhão da igreja.

David Hollaz. Examen. 944.

Tendo citado os meios de graça, é importante citar a concordância em ver a Eucaristia como um mistério divino inexplicável (mesmo que a linguagem ortodoxa seja a de que há uma verdadeira “transformação” milagrosa da substância do pão, como o Patriarca Jeremias explica em sua resposta aos reformadores), a adoração eucarística com um fim litúrgico, no finitum capax infiniti que é representado de forma belíssima no ícone Panagia da Theotokos, na ênfase de uma piedade centrada e de fato graciosa; na vida em comunidade como algo que realmente lhe distingue dos demais (não se é ortodoxo sem comungar), etc. Onde a Ortodoxia me parece acertar diria que é muito mais aceitável do que Roma; de forma que me sinto a vontade para tecer certos elogios no final. Onde ela me parece errar dá a impressão de ser um erro mais grosseiro, pois envolve fechar os olhos para o que lhe desagrada na história da igreja.

Daí minha preferência pelo que podemos dizer de modo anacrônico ser uma via media, encontrando minha casa na Igreja Católica Ocidental que passou pela Reforma que tanto necessitava.

Agora que me encontro devidamente explicado, favor não me perguntarem mais se vou me tornar X ou Y (reza a lenda que há um bolão rolando sobre quando irei me tornar ortodoxo desde 2020). Graça e paz!

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